quinta-feira, 10 de outubro de 2013

PRINCÍPIOS DA GOVERNANÇA NA GESTÃO DO EXÉRCITO por Cel Novaes (EPEx)

Os conceitos de Governança derivam da Teoria da Agência, definida como um contrato no qual uma ou mais pessoas (o principal) emprega outra pessoa (o agente) para executar, em seu nome, um serviço que implique a delegação de algum poder de decisão ao agente. Os problemas de agência surgem, então, da relação entre proprietário e agente.
Outro conceito importante é o do Perigo Moral, segundo o qual há uma propensão, por parte do indivíduo, a expor um bem a um risco que não será assumido por ele, em caso de ocorrer. Visando a mitigar esses riscos é que companhias de seguro, por exemplo, cobram franquia em caso de sinistro. Voltando à Teoria da Agência, e segundo Eisenhardt (1989), pode haver conflito entre os interesses do acionista (principal) e o executivo (gestor ou agente) em função de riscos, assumidos pelo agente, que poderão causar perdas somente ao principal. Esses riscos serão agravados pela dificuldade de o acionista monitorar diuturnamente as atividades do executivo (assimetria de informações).
Governança Corporativa (GC), segundo o Código das Melhores Práticas divulgado pelo Instituto Brasileiro de GC, é o sistema pelo qual as organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre proprietários (acionistas), Conselho de Administração, Diretoria e órgãos de controle, e seus princípios são:
1. Transparência – é a garantia de disponibilização de informações pela Diretoria e Conselhos, relevantes para a tomada de decisão do acionista.
2. Equidade – é o tratamento justo e igualitário a todas as partes interessadas.
3. Accountability – é a prestação de contas pelo agente aos acionistas, por meio de relatórios e resultados, que devem ser divulgados na sua integralidade e submetidos ao escrutínio das partes interessadas.
4. Responsabilidade Corporativa – é o culto à sustentabilidade organizacional. Toda decisão, ainda que baseada na expectativa de criação de valor ao acionista no curto prazo, deve garantir a longevidade da organização.
Na prática, a GC se dá por meio de órgãos de controle dos agentes, instituídos pelos acionistas, que são o Conselho de Administração (CA) e o Conselho Fiscal (CF). O CA tem a responsabilidade precípua pela orientação geral dos negócios da companhia (principalmente por meio do estabelecimento de metas, no escopo da estratégia da organização), eleição e destituição a qualquer tempo dos diretores, escolher e destituir os auditores independentes, manifestar-se sobre os relatórios da companhia e as contas dos diretores etc. Ele é a interconexão entre a propriedade e a gestão, o guardião do objeto social e seu principal papel é orientar e fiscalizar as atividades da administração da organização no sentido de sempre promover os interesses dos acionistas, mitigando riscos para todas as partes interessadas, em particular ao principal, reduzindo o Perigo Moral.
Dentre as atribuições do conselho fiscal, as mais importantes são: fiscalização dos atos dos administradores e verificação do cumprimento de suas obrigações legais e estatutárias, opinar e proferir parecer sobre o relatório anual da administração, analisar as demonstrações contábeis periódicas etc.
O maior objetivo da GC é que a organização gere valor. Imaginar que esse valor é somente para o acionista é simplificar demais a visão, posto que este só receberá sua parte do valor após terem sido “descontadas” a porção da diretoria (incluindo os custos para incentivar e controlar o agente), produção (funcionários e fornecedores), Governo (impostos) e credores (os que aportaram o capital). E, logicamente, tudo isso só ocorrerá se os clientes atribuírem valor ao que foi entregue.
No setor público, segundo Magalhães (2011), a questão da governança também se apoia em conceitos da Teoria da Agência. Embora o agente deva tomar decisões em benefício do principal que, neste caso, é a sociedade, muitas vezes ocorrem situações em que os interesses dos dois são conflitantes, dando margem a um comportamento oportunista por parte do agente.
O Ministério do Planejamento, em seu site, define governança pública (GP) como o sistema que assegura, às partes interessadas pertinentes, o governo estratégico das organizações públicas e o efetivo monitoramento da alta administração. A relação entre a coisa pública e a gestão se dá por meio de práticas de medição, tais como auditorias independentes e unidades de controle interno e externo (grifos nossos), instrumentos fundamentais para o exercício do controle. A GP assegura às partes interessadas a equidade, a transparência e a responsabilidade pelos resultados, com obediência aos princípios constitucionais e às políticas de consequência.
Também nesse escopo, somando mais elementos à GP, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), em vigor desde maio de 2000, estabeleceu a exigência de planejamento, prevenção de riscos, transparência, equilíbrio das contas e cumprimento de metas (grifos nossos).
Segundo a Constituição Federal de 1988, o titular do controle externo em nosso ordenamento jurídico é o Congresso Nacional (Art. 31, 70 e 71, caput), que se dá pelo controle político e financeiro da Administração Pública. O controle financeiro, que nos interessa neste trabalho, é exercido com auxílio do Tribunal de Contas da União (TCU).
Nesse contexto, o TCU, em cumprimento à sua missão institucional, avalia o desempenho dos órgãos e entidades jurisdicionados, assim como dos sistemas, programas, projetos e atividades governamentais, quanto aos aspectos de economicidade , eficácia , eficiência e efetividade dos atos praticados, com vistas a contribuir para o aperfeiçoamento da administração pública e para subsidiar os mecanismos de responsabilização por desempenho (Magalhães, 2011) (grifos nossos). Cumpre, dessa forma, parte das atribuições de um CA e do CF, no caso da GC.
Segundo o TCU, uma das principais ferramentas utilizadas para a fiscalização é a Auditoria Operacional, que é o exame independente e objetivo da economicidade (a), eficiência (b), eficácia (c) e efetividade (d) de organizações, programas (projetos) e atividades governamentais, com as finalidades de promover o aperfeiçoamento da gestão pública e fornecer à sociedade opinião independente sobre o desempenho da atividade pública (TCU, 2013). O TCU escolhe os objetos a serem fiscalizados que, além da capacidade de agregar valor à gestão, têm que possuir materialidade, relevância, e vulnerabilidade. A auditoria vai identificar os principais fatores que comprometem o desempenho do programa/órgão, de acordo com o diagrama a seguir:

Diagrama de Insumo/Produto (TCU, 2013)

O relatório da fiscalização é amplamente discutido com órgãos de controle interno, entidades da sociedade civil, academia e consultorias legislativas do Congresso e, posteriormente, submetido à Corte do Tribunal. A etapa de divulgação do relatório tem a finalidade de ampliar o conhecimento da sociedade sobre os resultados das ações avaliadas, contribuindo para aumentar a efetividade do controle, por meio da mobilização da comunidade no acompanhamento e na apreciação dos objetivos, da implementação e dos resultados das políticas públicas. Para aumentar a probabilidade de resolução dos problemas identificados durante a auditoria, seja pela implementação das deliberações do TCU ou pela adoção de outras de medidas de iniciativa do gestor, realiza-se o monitoramento, mediante o acompanhamento de um plano de ação, apresentado pelo gestor ao TCU, que formaliza as ações que serão tomadas para atender as deliberações (TCU, 2013).
Comparando os princípios de GC com aspectos previstos na Constituição, na LRF e na missão do TCU, além de compulsar a literatura existente, pode-se concluir que alguns princípios da GC, fundamentais para o alinhamento de interesse entre o principal e o agente, também são aplicados na gestão pública. Para dar um pouco de materialidade a isso, passa-se a estudar o caso da fiscalização do TCU ao Projeto Estratégico do Exército (PEE) Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras – Projeto SISFRON, orçado em doze bilhões de reais, com período de implantação previsto de dez anos.
Baseado na teoria sobre GC, os aspectos que comporão a fiscalização do TCU, iniciada por meio da Portaria de Fiscalização/Fase de Planejamento no 887, de 14/07/13, e constantes do Ofício de Requisição no 1-887/2013, de 17/07/13, serão organizados nos seguintes tópicos: problemas de agência e transparência/accountability.

Problemas de Agência
Aspectos fiscalizados pelo TCU
1. Posicionamento do SISFRON no âmbito da Política Nacional de Defesa (PND), Estratégia Nacional de Defesa (END), Livro Branco, Plano Estratégico de Fronteiras e Planejamento Estratégico do Exército.
2. Contexto orçamentário: programas e ações abrangidas no PPA e na LOA.
3. Estudo de Viabilidade realizado.
4. Diretrizes de offset.
5. Requisitos operacionais e especificações técnicas.
6. Projeto básico.
7. Principais benefícios para a sociedade (principal), bem como resultados para a gestão pública.
8. Relação dos materiais que serão importados e desenvolvidos pela indústria nacional.
9. Licitações e contratos já realizados.
10. Metodologia de gerenciamento de projetos ( Gestão de riscos, aquisições, premissas, linhas de base, EAP...)
11. Projeto-piloto e experimentação técnica do projeto.

Transparência e Accountability
Objetivos
1. Como são definidos objetivos.
2. Como é assegurada a conquista dos objetivos no interesse do principal.
Aspectos fiscalizados pelo TCU
1. Auditorias realizadas sobre o andamento do projeto.
2. Plano de Gestão de Riscos e Planejamento das Respostas.
3. Informações registradas no Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP).
Objetivos
De que maneira a organização presta contas à sociedade.


Algumas considerações adicionais sobre a Governança Pública no âmbito do Exército:
1. As ações referentes aos problemas de agência na GP são reativas, posto que o Exército possui autonomia administrativa e financeira e, com isso, tem a prerrogativa de definir seus próprios objetivos, ainda que o faça baseado em sua interpretação da PND, END, Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN) e diretrizes recebidas do MD e do Governo em geral. No momento da auditoria em curso do TCU, por exemplo, o PEE SISFRON já se encontra em plena execução. No caso da GC, a definição da estratégia, objetivos e metas é atribuição do CA, e isso se dá previamente à ação da diretoria. O controle também é mais cerrado, posto que o CA tem a responsabilidade de acompanhar mais de perto os resultados em nome dos acionistas, enquanto que o TCU escolhe as ações que vai fiscalizar discricionariamente (também acolhe denúncias da sociedade em geral, diretamente ou por intermédio do Congresso).
2. Na GC, o CA não existe somente para monitorar. Também reduz o conflito de interesses por meio de incentivos financeiros (pagamento de bônus, por exemplo) à diretoria na materialização dos objetivos e no cumprimento de metas, além de ser encarregado de eleger e demitir diretores, enquanto que a GP somente pode aplicar punições e multas aos gestores que contrariarem aspectos de eficácia, eficiência, efetividade e economicidade (e outras irregulares e ilegalidades).
3. A accountability no sistema público é centrada no ordenador de despesas e no agente diretor, compartilhada com demais agentes da administração que compõem o rol dos responsáveis. Essas autoridades têm a obrigação de demonstrar que administrou ou controlou os recursos que lhe foram confiados em conformidade com os termos segundo os quais esses recursos lhe foram entregues. Também há prestação de contas anual.
4. O agente é quem fornece a maioria dos dados ao principal, logo, há uma assimetria de informação. Isso é minimizado pela Lei de Acesso à Informação, que preconiza que o paradigma é a transparência, e a exceção, a classificação da informação, além do SIOP, de portais de transparência e da obrigação do agente de justificar todos seus atos para a sociedade. A exigência da gestão de riscos (ISO 31000:2009) e sua transparência também contribui para disponibilizar informações.
5. Por último, busca-se o alinhamento de interesses por meio da exigência que as organizações definam e comuniquem seus planejamentos estratégicos (mantendo, logicamente, o nível de sigilo exigido por assuntos de Defesa), em particular a missão e a visão, os objetivos organizacionais, indicadores, metas e os projetos. A gestão de riscos e a medição do desempenho operacional vão agregar qualidade à GP e provocar o incremento de uma cultura de transparência e accountability na administração pública.
Concluindo, pode-se dizer que, tecnicamente, não há Governança Corporativa nos órgãos públicos, devido à inexistência de um CA específico para cada organização, mas muitos de seus princípios podem e devem ser aplicados na chamada Governança Pública. Também nesta área, o maior objetivo das organizações continua sendo o de entregar valor ao principal, neste caso, à sociedade. Na ausência de um CA, o maior representante do principal será o TCU, que conduzirá seu trabalho por meio de auditorias. No caso do Exército Brasileiro, que conta com capital intelectual dedicado exclusivamente para o planejamento estratégico, gestão orçamentária e gerência de portfólios e de projetos estratégicos, julga-se que os principais pré-requisitos para a governança existem. Resta às partes interessadas confirmar se, na fase de execução, isso é efetivo. É a intenção dessa Instituição entregar valor à sociedade por meio do cumprimento de sua missão e continuar sua transformação rumo à visão de futuro com economicidade, eficácia, eficiência e efetividade. Para tal, a Auditoria Operacional do TCU no PEE SISFRON, ora em sua fase de planejamento, poderá validar e/ou apontar oportunidades para o aperfeiçoamento da gestão deste e dos demais projetos, além de todo o sistema de planejamento estratégico.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Ministério do Planejamento. “MP Wiki”. Disponível em . Acessado em 03/08/13.
EISENHARDT, K. Agency Theory: An Assessment and Review. Academy of Management Review, 1989, Vol, 14. N 1, Pgs 57 a 74.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA. “Código das Melhores Práticas”. Disponível em . Acessado em 06/08/13.
MAGALHÃES, Renata Silva Pugas. “Governança em Organizações Públicas – Desafios para Entender os Fatores Críticos de Sucesso: o Caso do Tribunal de Contas da União”. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2011.
ROSA, Eugênio. “Princípio da Economicidade”, Direito Legal. Disponível em . Acessado em 04/08/13.
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. “Avaliação de Programas de Governo”. Disponível em . Acessado em 04/08/13.

Notas:
(a) O princípio da economicidade vem expressamente previsto no art. 70 da CF/88 e representa, em síntese, a promoção de resultados esperados com o menor custo possível. É a união da qualidade, celeridade e menor custo na prestação do serviço ou no trato com os bens públicos. É, também, a capacidade da contratação em resolver problemas e necessidades reais do contratante.
(b) Relação entre os objetivos e os resultados obtidos por um processo, projeto, sistema ou organização. A eficácia é atingida quando os produtos são alcançados conforme o planejamento.
(c) Relação entre os recursos empregados e os resultados obtidos por um processo, projeto, sistema ou organização. A eficiência é alcançada quando os insumos são manipulados de forma adequada para atingir os produtos.
(d) É o impacto trazido pelo resultado obtido por decisões. Difere da eficácia, pois esta apenas indica se o objetivo planejado foi atingido, enquanto efetividade relaciona-se com os resultados obtidos no emprego do produto ou na prestação do serviço, decorrentes do projeto, sendo traduzida pelo impacto causado pela ação adotada.

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