Em termos práticos (e sem sensacionalismo) a intervenção federal, ora em curso, restabelece a estrutura utilizada durante a Copa do Mundo, Rio + 20 e Jogos Olímpicos, quando o Exército comandou (inteligentemente utilizando o verbo “coordenar”) todas as forças de segurança na área. O “interventor” nada mais é que o atual Comandante Militar do Leste, ou seja, a maior autoridade responsável pelas missões de Defesa na região compreendida pelos estados do RJ, MG e ES. Essa é apenas mais uma missão subsidiária e episódica imposta às Forças Armadas, para a qual estão preparadas e dimensionadas. Simples assim, porém altamente custosa e inapropriada no longo prazo.
Voltemos portanto à 2010. As UPP (Unidades de Polícia Pacificadora) eram tidas como a solução adequada para a integração das comunidades carentes à cidade. O raciocínio fazia todo sentido: restabelecida a ordem pública, outras facetas do Estado poderiam penetrar nas áreas dominadas pelo narcotráfico, restabelecendo a cidadania subtraída dos moradores.
O programa começou pelas menores e mais tranquilas favelas. O complexo do Alemão e Penha, com mais de 160.000 habitantes, era uma das áreas mais perigosas e inexpugnáveis ao policiamento ostensivo da Polícia Militar, bem como às investigações e cumprimentos de mandados conduzidos pela Polícia Civil. Sua “conquista” era necessária para a concretização do sonho de sediar a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos. Foi costurada, então, uma inédita operação de intervenção federal, limitada geograficamente a apenas um “grande bairro”.
Forças políticas se mobilizaram para obter o apoio da opinião pública. A mídia jornalística adotou uma temporária e inimaginável pauta pró Forças Armadas. Empresários se ofereceram para ajudar a Prefeitura e os poderes legislativo e judiciário se engajaram na empreitada. Até mesmo uma “trégua” dos movimentos de apoio aos direitos humanos foi obtida por intermédio de uma controversa “manobra de mídia”: a ocupação foi anunciada com antecipação, permitindo a histórica cobertura jornalística da fuga atabalhoada de dezenas de traficantes, correndo com suas armas em retirada face à progressão dos blindados dos Fuzileiros Navais.
Foram 19 meses de ocupação pelo Exército, utilizando doutrina e metodologia muito similar à empregada na missão de paz do Haiti. A ordem pública foi rapidamente restabelecida, em sinergia rara com o Ministério Público, o qual obtinha os mandados de prisão, de busca e apreensão com invulgar rapidez e sincronia com o trabalho da Inteligência Militar. Com o restabelecimento da segurança, a Prefeitura conseguiu empreender diversos projetos comunitários, como a construção do teleférico, inspirado nos projetos de pacificação de Medellin na Colômbia.
Ao termino da ocupação, a UPP foi instalada no Alemão e a responsabilidade pela segurança do complexo de bairros restituída ao governo estadual. Hoje, lamentavelmente, a situação no Alemão retrocedeu à encontrada em novembro de 2010. Os policiais da UPP do Alemão já sofreram diversos ataques violentos e o projeto de pacificação, que seria ampliado, sucumbiu em meio à crise política-administrativa do Rio.
Face a esse resgate da história recente, aflora uma importante pergunta a ser respondida pelos moradores e pagadores de impostos do Rio de Janeiro: o que precisa ser feito para não repetirmos a experiência onerosa e frustrante do Complexo do Alemão?
Não virá de Brasília a solução dos problemas de segurança de nenhum ente da Federação. A criação de mais um Ministério, por exemplo, segue na contramão da necessária revisão do pacto federativo.
É chegado o momento do cidadão assumir, pelo voto, a responsabilidade pelo futuro e desenvolvimento da cidade onde mora e de seu Estado. Estão evidentes (nos diversos inquéritos policiais) as forças políticas que se instalaram como quadrilhas no Congresso Nacional, nas Assembléias Legislativas, nos tribunais de contas, na máquina governamental e, até mesmo, nos Tribunais de Justiça. Não promover em 2018 uma renovação radical dos parlamentos, reelegendo criminosos, é ato da maior inconseqüência. Não escolher com critério os principais gestores do Poder Executivo, por outro lado, será uma falha imperdoável.
Esta intervenção federal enseja ótima oportunidade de percepção das causas reais da violência, bem como das mudanças políticas necessárias. Os eleitores ganharão 08 meses para refletir com cuidado, antes de encararem as urnas em outubro. Os candidatos ao governo do Estado (bem como os postulantes às cadeiras de deputados estaduais) terão 10 meses para planejar suas ações, antes de iniciarem seus mandatos em janeiro de 2019, quando receberão, de volta, a responsabilidade pela segurança pública do Rio de Janeiro. O salvador do Rio não é o General interventor. É o eleitor!
Gerson Gomes é oficial do Exército da reserva e postou isto no FaceBook ontem às 0242hs
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