segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Indústria de microeletrônica - Entrevista com Eugenio Staub

Sumário

Eugênio Staub, fundador e ex-presidente do IEDI, hoje Conselheiro do Instituto, concedeu entrevista à Carta IEDI sobre o setor eletroeletrônico. O IEDI vem realizando junto a seus Conselheiros e a especialistas uma série de entrevistas sobre os mais diversos setores da economia. Começou com o setor farmacêutico, tendo sido entrevistado seu Conselheiro, Carlos Sanches, na Carta IEDI nº 621. Nesta oportunidade, publicamos a entrevista com Eugênio Staub, grande conhecedor do setor eletroeletrônico, assim como grande conhecedor do desenvolvimento e das lacunas da indústria brasileira. 

Para ele, “aconteceu um retrocesso na indústria brasileira que foi seríssimo”. “No meu setor, que vamos chamar de TIC, houve um retrocesso brutal por causa da desmontagem da estrutura industrial. Até 1990 havia centenas de empresas, nacionais e multinacionais, na parte de insumos e componentes. Apenas como pequeno exemplo, as centrais telefônicas que a Ericsson e as demais forneciam eram aqui fabricadas, tudo com materiais nacionais. Com a evolução tecnológica, passou-se a usar um relé de estado sólido, o que causou uma desnacionalização dos insumos.”

“No setor de bens de consumo, que é o setor onde mais atua a Gradiente, nós tínhamos centenas de fornecedores nacionais que sumiram. Foram embora! Grandes empresas japonesas que estavam aqui foram embora porque o governo Collor mudou as regras da nacionalização e inviabilizou toda a infraestrutura. Com isso os produtos ficaram mais baratos, mais modernos, mas não há mais indústria de componentes nacionais para os setores de comunicação, informática e eletrônicos de consumo. Você não encontra empresa de componentes importante. Sumiram todas!”

Ainda segundo Eugênio Staub, com a desmontagem da indústria eletroeletrônica, o Brasil desperdiçou a oportunidade de trilhar novos rumos em seu desenvolvimento, rumos estes que permitiu a outros países um impulso único de crescimento:

“A indústria eletrônica se transformou numa indústria de montadoras finais baseada em incentivos da lei da informática e incentivos da Zona Franca de Manaus. Os produtos são montados no Brasil, mas o conteúdo do produto, a inteligência do produto é importada. Nós viramos uma indústria montadora. O mercado cresceu muito. Só na área de consumo são R$60 bilhões por ano. Há poucos anos atrás eram R$ 15 bilhões. O que houve foi uma desmontagem do segmento industrial substituído por uma indústria montadora final que trabalha com insumos importados. Isso é muito sério por 2 razões: 1) pelo fato em si; e 2) porque esse setor, na economia nacional e mundial, passou a ter muito mais relevância.”

Sobre as perspectivas de reversão desse quadro grave, acredita que o governo está despreparado e não vê saída a curto prazo. Todavia, adverte que o intenso progresso tecnológico do setor abre continuamente oportunidades de desenvolvimento: 

“Oportunidades existem, o mercado doméstico brasileiro, sem contar exportação é muito importante. Dá para viabilizar várias indústrias de componentes, de componente de estado sólido, circuitos integrados, semicondutores. Você pode viabilizar uma indústria dessas só com Carteiras de Identidade, cartões de crédito, Carteiras de Habilitação, tudo com chip para 200 milhões de brasileiros, mas não há política industrial nesse setor. Então o cenário é realmente muito ruim para a indústria nacional neste segmento. A grande oportunidade nesse setor é que a tecnologia evolui. Então se perde um bonde e se pode pegar outro.”

Frisa ainda que “do jeito que está hoje, nós vamos ser montadores daquilo que tiver incentivo fiscal para montar, a União está pagando com isenção de IPI, os Estados com isenção de ICMS para gerar empregos de montagem que no final trazem baixo investimento e baixo valor agregado. Portanto, eu estou pessimista com o nosso setor porque ninguém esta olhando para isso. E quando olhar, vai levar uns 10 anos para consertar. Vai haver o olhar, a disposição e vontade política de fazer alguma coisa em 10 anos? O Brasil é um país muito rico em pesquisadores e centros de pesquisas públicos e universidades, mas isso não esta sendo articulado. Está se jogando muito dinheiro fora fazendo pesquisa e desenvolvimento sem articulação e sem aplicação prática.”

Se cabe ou não uma política para o setor, é de opinião que sim: “Cabe uma nova política industrial para esse setor, inteligente, e não que onere produtos. Hoje o que acontece é que os sindicados dos trabalhadores tentam ampliar o emprego nas montadoras. É exigido no PPB, por exemplo, que o carregador do seu celular seja nacional. Assim, acaba criando um oligopólio que faz custar 4 vezes mais do que custa na China. A bateria que não é feita no país, é só montada, tem que ter elementos nacionais. Dessa forma, os telefones mais baratos não vale a pena nem montar no Brasil por causa dessas exigências. E para fazer uma coisa inteligente tem que ter uma visão e vontade política para conseguir implantar isso. Qual o mérito de fazer um carregador de tomada no país? Quase nenhum.” 

Finalmente, aponta como grande problema a “falta de uma visão estratégica para esse setor, o que não é uma coisa fácil”. “Um grupo de pessoas tem que se reunir para discutir o futuro desse setor, sem pressa para que em 2025 se comece a colher resultados. E esse segmento vai ficar mais importante ainda. Agora surgiu a telemedicina, que vai causar uma revolução na medicina, mas não há ainda um comprometimento público no País. Ela resolveria, em grande parte, o problema do atendimento médico no Brasil, já que muita coisa você pode fazer em casa. Equipamentos que hoje não são caros e que são usados para medir os parâmetros principais que podem ser enviados pela internet para o médico. Não precisa ficar na fila. Não é uma UTI, é um preventivo.
Publicado em 12/12/2014 no http://www.iedi.org.br/cartas/carta_iedi_n_654.html

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